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Brasil e os juros

Antônio Vieira Resende 

Todo ou quase todo o excedente de caixa é aplicado em ativos financeiros, especialmente títulos públicos

Professor da Faculdade Arnaldo

No capitalismo, a taxa de câmbio, a taxa de juros e o salário são três preços fundamentais na determinação da dinâmica da estrutura econômica de qualquer país. Grosso modo, esses preços são determinados de forma semelhante a qualquer outro preço dos bens e serviços em uma economia aberta e globalizada. A taxa de câmbio é determinada pela oferta e demanda de divisas (dólar, euro etc.); a taxa de juros, segundo Keynes, é um fenômeno monetário – ela resulta do equilíbrio entre a oferta e a demanda de moeda (para transação ou especulação). Quanto ao nível salarial (que não analisaremos aqui), esse é o reflexo da pressão entre a oferta e demanda de força de trabalho. O Brasil encontra-se preso em, pelo menos, duas armadilhas: a cambial e a da taxa de juros (Selic). A armadilha cambial foi por mim analisada em artigo anterior. Quanto à armadilha da taxa de juros elevada, essa tem como causa básica o mesmo fator que jogou o Brasil na armadilha cambial, ou seja, são irmãs gêmeas com características diferentes.

Na análise do equilíbrio monetário, é interessante observarmos os extremos da curva de demanda por moeda. Quando a taxa de juros é muito alta, o público reduz a liquidez ao mínimo necessário às transações correntes. Todo ou quase todo o excedente de caixa é aplicado em ativos financeiros, especialmente títulos públicos. Por outro lado, quando a taxa de juros é muito baixa, reter moeda tem um "custo de oportunidade" muito baixo: perde-se pouco por não aplicar o dinheiro em ativos financeiros. No caso do Brasil, nós estamos presenciando uma taxa de juros relativamente elevada para os padrões internacionais: não se trata apenas da taxa básica "definida" pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), mas, principalmente, da taxa de juros de mercado.

O ponto focal dessa taxa de juros elevada é indiscutivelmente o perfil da dívida pública (bruta) brasileira. A dívida pública encontra-se com o seguinte perfil: elevada relação dívida pública total/ Produto Interno Bruto (PIB); vencimentos dos títulos públicos concentrados no curto prazo; e elevado custo de sua rolagem. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida bruta total do setor público brasileiro atingirá, em 2010 (portanto, já atingimos), 67,2% do PIB. Sabemos que o PIB, em 2010, atingiu o valor de R$ 3,67 trilhões, a preços correntes. Portanto, a dívida pública total é de aproximadamente R$ 2,46 trilhões. Isso justifica o montante de juros que o governo paga anualmente: mais de R$ 190 bilhões no ano passado.

No entanto, se países como o Japão, Estados Unidos, Índia (entre outros) devem mais que o Brasil, porque a taxa de juros aqui é bem superior à deles? A resposta nos parece simples. A dívida brasileira está concentrada no curto prazo: cerca de 46% da dívida pública tem vencimento abaixo de dois anos. Isso significa que o governo brasileiro tem que renovar (rolar) mais de R$ 40 bilhões por mês. Logo, há uma forte disputa entre o governo e o setor privado pela poupança disponível no mercado interno. O governo justifica que a Selic tem que se manter elevada para conter o "monstro" da inflação que está sempre nos ameaçando. Na realidade, a justificativa do governo começa no meio do caminho.

A análise completa deveria ser a seguinte: os títulos públicos estão em contínuo processo de vencimento (R$ 40 bilhões por mês); o Tesouro tem que emitir moeda para quitar esses títulos; mas esse dinheiro não pode ficar girando no mercado porque provoca inflação. Para evitar que esta suba acima da meta estabelecida, o governo tem que sugar o dinheiro de volta. Para isso, emite novos títulos. Mas o mercado só aceita essa rolagem se a taxa de juros for suficientemente alta quando comparada com a taxa de juros que os bancos privados (e públicos) conseguem com a demanda de crédito do setor privado. Dessa forma, quem determina a taxa de juros (Selic) não é o Copom do BC, que apenas endossa a taxa exigida pelo sistema financeiro para rolar a dívida pública. Para escapar dessa armadilha, o governo teria que reduzir a relação dívida pública/PIB e alongar os prazos de vencimento dos títulos. Entretanto, a estrutura econômica (industrial, logística, tecnológica etc.) e as experiências históricas de ameaças de calote fazem dessa solução, no curto e médio prazos, algo praticamente utópico. De acordo com as informações do Jornal O Estado de Minas Gerais do dia 28/06/2011.

 
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